Gerivaldo Neiva

Comecei lendo algumas crônicas e postagens dele através do seu blog, e quero compartilhar desse novo conhecimento ou desse cidadão com muito conhecimento e que tem prazer em repartir com todos. Vou postar um pouco do que colhi no site www.nacangaia.com e em seu próprio blog, www.gerivaldoneiva .blogspot.com, aproveito a oportunidade para agradece ao Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité, por ter liberado com muita simpatia seus trabalhos para que pudéssemos divulgar ou usar seus escritos no nosso site e vamos aproveitar e postar seu trabalho que tem como titulo como nossos pais, boa leitura. Como nossos pais… Gosto muito dessa música, ainda mais na voz de Elis Regina. O compositor é Belchior. Gosto da letra, dos arranjos e da melodia. Lembre um pouco comigo: Minha dor é perceber Que apesar de termos Feito tudo o que fizemos Ainda somos os mesmos E vivemos Como os nossos pais… Nossos ídolos Ainda são os mesmos E as aparências Não enganam não… Cantarolei (claro que comigo mesmo) esta música ontem à noite depois que saí do campus da Universidade Católica de Salvador, a UCSal, no bairro da Federação, em Salvador. (Fui convidado pela professora Jaíra Capistrano para conversar com uma turma de alunos sobre nossa experiência e foi muito gratificante a conversa.) Ainda não sei ao certo o que me impactou tanto, pois minha passagem pela Católica não foi assim tão magnífica, mas também não foi um desastre. Foi normal, apesar da época. Ingressei no curso de Direito em 1980, com 17 anos de idade. Vindo de Irecê, interior da Bahia, cheguei a Salvador em 1977 e morava em uma república de estudantes mantida pela prefeitura da cidade. A casa se chamava REUSI – Residência dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Irecê. Tinha estatuto, diretoria e tudo o mais. Naquela época, anos 70 e 80, existiam dezenas de residências de estudantes em Salvador. Na nossa casa, éramos mais de 40 estudantes. Não existiam meninas. Eu, pequeno e franzino, dormia em um “triliche”. Pois bem, chegando a Salvador, por influência de outros estudantes que já moravam na residência e pela conjuntura política da época, fui logo me engajando no movimento estudantil e participando de passeatas e manifestações pela anistia, em defesa da Universidade e pela reconstrução da UNE. O congresso da reconstrução, em 1979, aconteceu no estacionamento do centro de convenções de Salvador e eu estava lá. Não entendia muito as diferenças entre os vários grupos políticos (as “tendências do movimento estudantil”), mas estava lá fazendo história. Estudei no Colégio Ipiranga, que funcionava em um casarão onde o poeta Castro Alves teria vivido seus últimos dias. Foi uma coincidência formidável, pois desde criança gostava de declamar suas poesias. (Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura… se é verdade. Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas, Co’a esponja de tuas vagas, de teu manto este borrão?… Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ). Lembro que senti uma emoção indescritível no dia em que visitei o sótão onde o poeta observava a Baía de Todos os Santos. No final de 1979, terminando o segundo grau, fiz vestibular para os cursos que eram moda na época: Sociologia, Economia e Direito. Passei em todos eles. Resolvi estudar Sociologia (UFBa) e Direito (UCSal). Naquele tempo, existia um programa do governo chamado “crédito educativo” que pagava a mensalidade da faculdade e ainda fornecia uma bolsa chamada “manutenção”. Não era muito, mas dava para pagar a taxa da residência, comprar um livro e um LP por mês. Bom demais. No curso de Sociologia, o professor Gey Espinheira, falecido recentemente, era nosso guru. A faculdade era conhecida simplesmente como “São Lázaro”, pois ficava no bairro do mesmo nome, em Salvador. Em São Lázaro ficavam, dentre outros, os cursos de Filosofia e Sociologia. Era a campus dos malucos. Minha “maluquez”, no entanto, era equilibrada pela rígida lucidez do curso de Direito da Católica. Não sei como conseguia equilibrar os dois cursos, inclusive com relação ao choque de horários de aulas e provas. Depois que consegui alguns estágios remunerados, abandonei o curso de Sociologia, mas guardei muitos conceitos que utilizo até hoje. Na Católica fizemos alguns movimentos, mas não havia muita abertura. O diretor da faculdade era o professor Manoel Ribeiro, pai do escritor João Ubaldo Ribeiro. Ele não concordava com nossas idéias revolucionárias, mas era um dos poucos que nos respeitava. Não tivemos muitos problemas com o professor Manoel Ribeiro. Aliás, ele gostava muito de tomar um uísque enquanto nós estudantes tomávamos cerveja em um bar que ficava em frente à escola, o Omolu. Voltando ao começo, quando cheguei ao campus da Católica para conversar com os alunos de Jaíra, sentindo aquele clima de universidade, depois de 30 anos, vi o mesmo livreiro que nos vendia os manuais de Direito e conversamos como dois anciãos, lembrando episódios do século passado. Dei uma olhada rápida em seus livros e vi muitos antigos manuais re-editados. Coleções inteiras. Livros grossos de capa dura com letras douradas. O Código Penal é o mesmo, mas pelo menos temos agora uma nova Constituição e um novo Código Civil. Não podia ser diferente. No início dos anos 80, estava em vigor o Código Civil, patrimonialista, machista e outros “ista” de 1916, e a Constituição era a de 1967, emendada até não sobrar quase mais nada do texto original. Como um interiorano perdido na cidade grande, fiquei parado observando os estudantes. Muitos não passavam dos 30 anos. Então, nem eram nascidos ainda quando eu já estudava Direito. Uma vida. Fisicamente, a faculdade era a mesma. Uma pintura nova, uma porta de vidro na secretaria, os mesmos pavilhões, a mesma capela, as mesmas salas… As cadeiras não eram as mesmas, mas o layout das salas era o mesmo: cadeiras enfileiradas, a mesa do professor, o quadro na frente… Agora não usam mais giz… Conversei com os estudantes sobre o ensino jurídico, minha experiência de magistrado, a principiologia constitucional, o novo Código Civil, sobre os desafios atuais para o Direito em face uma sociedade marcada pela desigualdade social e pela acumulação de renda… essas coisas. Como sou um otimista, conclui defendendo que o Direito pode e deve ser um instrumento para superação dos problemas resultantes da modernidade tardia em um país periférico como o nosso e servir à causa da construção de uma sociedade livre, justa, feliz e solidária, baseada na cidadania e dignidade da pessoa humana, conforme previsto na Constituição de 1988. Não tenho a menor dúvida que agrado a uns e desagrado a muitos, mas o importante é deixar uma mensagem diferente. Na saída, ao olhar novamente para os livros expostos pelo livreiro, tive uma sensação muito forte de que ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais, que nossos ídolos ainda são os mesmos, apesar de termos feito tudo o que fizemos. Só mesmo na minha cabeça sonhadora e na de Warat, mais sonhador ainda, para querer encontrar na Faculdade de Direito os Jardins de Epicuro ou a Ágora de Atenas… Voltei os olhos uma última vez e tive a impressão que me vi com 17 anos de idade, cabelos compridos, barbicha rala, tira-colo de couro, camiseta com motivos políticos e calça jeans, passeando pelos corredores da faculdade… Balancei a cabeça, limpei os óculos e continuei a caminhar. Estava agora mais tranqüilo. Tinha a certeza que continuava um rebelde e acreditando em uma utopia chamada Justiça. Naquela época, dizíamos assim: “hasta la victoria, compañero, siempre”! Conceição do Coité, 08 de maio de 2009 * Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba. www.gerivaldoneiva.blogspot.com [email protected]

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